Cultura Material Panará
Introdução por Cássio de Figueiredo & Claudia Augustat
O Weltmuseum Wien é guardião de trinta e um objetos Panará, que foram recolhidos pelo bohêmio Johann Baptist Emanuel Pohl (1872-1834). Sua coleção inclui objetos dos seguintes povos Jê: Krahô, Timbira (Canela e Apinayé), Xavante, Xerente e Panará.
Doutor em medicina, mineralogista e cientista natural, Pohl chegou ao Brasil em novembro de 1817 como botânico e membro da expedição científica que acompanhou a arquiduquesa Leopoldina de Habsburgo-Lorena para o Brasil, como esposa do príncipe herdeiro português Dom Pedro. Pohl voltou para a Áustria em 1821, e mais tarde tornou-se curador na Coleção de Ciências Naturais da corte escrevendo em seguida um livro de dois volumes sobre sua pesquisa e viagens no Brasil.
A coleção Pohl, juntamente com a de Heinrich Wilhelm Schott, compõem a famosa Coleção Natterer, que leva o nome de Johann Natterer, chefe da expedição científica que acompanhou a arquiduquesa Leopoldina ao Brasil. A coleção Natterer, mantida pelo Weltmuseum Wien na Áustria, junto com a coleção Spix-Martius do Museu Fünf Kontinente na Alemanha são, pode-se afirmar, as duas mais importantes coleções etnográficas do início do século 19 de objetos dos povos indígenas do Brasil e de suas áreas limítrofes (Kästner, 2012).
Pohl visitou os Cayapó do Sul (que viriam a ser conhecidos como Krenakore e depois como Panará) em março de 1820 na Aldeia de São José de Mossâmedes, uma aldeia ou missão "modelo" mantida pelo Estado, localizada a nordeste de Vila Boa (hoje a cidade de Goiás ) na Província de Goiás. A Aldeia de São José fora estabelecida em 1755 para outras nações pacificadas (Karash, 1998), como os Acroá (ou Xacriabá) e os Javaé. Pohl menciona que quando visitou São José não havia outros índios que ali viviam senão os Cayapó do Sul (a quem ele se refere como Cayapó). Ele também observou que as autoridades portuguesas ainda estavam trazendo para São José os Cayapó do Sul a quem tinham tentado sem êxito "civilizar" na Aldeia Maria I (Pohl, 1832: 399), outra missão estatal nomeada em homenagem à rainha Maria I, a soberana reinante. Os ameríndios que Pohl encontrou em São José eram os descendentes de um grupo de 36 Cayapó do Sul que haviam sido incentivados a se estabelecer naquele lugar na década de 1780 por Luis da Cunha Menezes, governador da Província de Goiás (Augustat, 2012).
Em 1824, dois anos depois da visita de Pohl, havia apenas 124 Cayapó do Sul na Aldeia São José (Karash, 1998). Como vinha acontecendo em outras missões estatais, doenças começaram a dizimar a população e os Cayapó do Sul começaram a abandonar a missão, com alguns retornando às suas antigas aldeias, em parte para viver novamente como caçadores-coletores (Ewart , 2000). Pohl comentou sobre as más condições dos Cayapó em São José de Mossâmedes, uma vez que estas não permitiam a caça e a pesca, que eram tão importantes para eles (Pohl, 1832: 400). Ele observou que "muitas vezes eles mal são capazes de se alimentar [...]" (Pohl, 1832: 399). Isto presumivelmente resulta do fato de as roças ao redor da Aldeia São José terem se tornado muito pobres, depois de mais de 50 anos de uso (Augustat, 2012).
A partir desta área em Goiás um pequeno grupo de Cayapó do Sul/Panará teria migrado para noroeste, seguindo o vale do rio Teles Pires, até chegar à bacia do rio Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso. De acordo com Ewart (2000), a migração para esta área teria sido motivada por uma busca de terras férteis para a horticultura, bem como para uma área longe de colonos ou índios hostis.
O contato "oficial" da expedição Villas Boas com os Cayapó do Sul (naquele tempo referidos como Krenakore ) que aconteceu em 1973 foi apenas mais um incidente no relacionamento dos Cayapó do Sul com a sociedade portuguesa e mais tarde brasileira, que vinha acontecendo por quase quatro séculos e que passara por períodos anteriores de contato e fuga (Ewart, 2000). Tornou-se evidente que os índios Krenakore, que se auto-denominavam Panará, eram descendentes da Cayapó do Sul.
Os objetos que Pohl coletou em São José de Mossâmedes em 1820 são particularmente bem descritos em seu relatório de viagem. Ele descreve o Klotzrennen ou corrida de tora, também típico de outros grupos Jê, e um ritual relacionado a isso, o "parte-cabeça". Durante a sua visita, Pohl compilou uma lista de palavras (Pohl 1832: 447f), o que ajudou, juntamente com outras evidências, na identificação dos Krenakore como sendo os Cayapó do Sul, agora referidos como Panará (Augustat, 2012).